Nunca fui de grupos. Sinto que estou sempre a repetir isto, mas a verdade é que foram sempre os grupos que me lixaram o sistema. Ou porque não me enquadrava, estávamos na fase de crianças malvadas e por isso havia o tema do bullying, ou porque eu simplesmente nunca soube o que estava por detrás do conceito de “fazer amigos”. Intrigava-me. Sei lá, como é que os amigos aparecem? Tinha os meus pais como exemplo, e os amigos deles apareciam lá em casa de vez em quando. Por isso os meus amigos também haviam de aparecer.
À medida que fui crescendo tive muitas desavenças com amigos. Nunca foram zangas, era mais fruto da idade com mistura de inseguranças minhas que faziam o complot perfeito: nunca conseguia defender os meus interesses, porque se calhar também não sabia quais eram. Num grupo de três eram sempre dois contra um – e aqui a vossa amiga era sempre o indivíduo que estava a perturbar o par de mexeriqueiras.
O tempo foi passando e eu fui aprendendo a defender-me de grupos; cheguei até a isolar-me deles. Amigos individuais, isso é comigo. Não dão raia, não levantam ondas, dizem o que querem dizer e fazem-me feliz. O único “grupo” de amigos que tenho hoje é nada mais que uma junção de amigos meus muito chegados para quem eu olhei e pensei “pá, bora jantar todos” - e nasceu o dito “grupo”. É um grupo onde não há FOMO, há JOMO. “Hoje não fui, não me apetecia” - tudo bem, João. Gostamos de ti à mesma. Eu sou o João muitas vezes. Somo todos o João muitas vezes e ninguém se zanga. (Até perceber que podia dizer isto em alto e bom som, com as pessoas certas, a minha mãe foi a “má da fita” durante muitos anos porque “não me deixava ir” aos programas aos quais nem eu própria me deixaria ir ahaha)
Esta miragem de “grupo saudável” à qual tive acesso também pode criar uma névoa em relação aos grupos tipo “afinal isto não é mau!” – já me aconteceu umas vezes. Na última, decidi ir numa viagem e descambou. Marta Maria, nunca foste de grupos. Para quê inventar?! Deixa-te quietinha. O que faz com que eu pense muitas vezes em marcos importantes na minha vida (ex: casar) e imagino quais são os amigos que lá estarão. Aposta: nenhum é fruto de um grupo. E isso é brutal. Fenomenal.
Ontem tive um jantar de amigos cá em casa. Ponto importante: uma coisa que aconteceu na minha fase de achar que tinha de me enquadrar é que ofereci muitas vezes casa, disse muitas vezes que ia a sítios que não queria e por isso cheguei ao meu limite. Hoje em dia: não quero, não vou. Gosto destas pessoas e não faço cerimónia para dizer “Malta tou de rastos, vou para o banho”? Então, que venham. Até porque cada vez que recebo as pessoas certas cá em casa apercebo-me que adoro receber, adoro ser anfitriã. Adoro que se sintam em casa no sítio ao qual eu chamo de casa. Contraditório, eu sei. Mas têm de ser as pessoas certas.
Spoiler alert: eu adorei. Foi risota atrás de risota, passar de falar dos professores da escola à conversa mais profunda sobre a existência – foi uma miragem do que eu gosto de imaginar “quando tiver 30 anos, quero um jantar periódico com esta malta”. Tive xixi várias vezes e não fui para não perder a conversa, que estava hilariante. Tenho tido sorte porque cada vez mais encontro pessoas assim. Que grande sorte, caraças. De vez em quando ainda tropeço e acho boa ideia ir de viagem com desconhecidos porque “vai ser super giro!” Não Marta, não vai ser giro. Guarda esse dinheiro e gasta-o noutra coisa mais produtiva.
O que me faz pensar: estou sempre a ouvir que “é difícil de manter/fazer amigos na vida adulta” – como é que as pessoas vivem sem ter, de forma obrigatória, “jantar com amigos” semanalmente? Eu não consigo viver sem os meus perfeitos. Não sei bem como será daqui para a frente, mas tenho a certeza de uma coisa: sem amigos, não se vai lá. Sabem aquela trend do tiktok “almost forgot this is the whole point” – yep, este é o “whole point” da coisa. Malta porreira à mesa, com quem eu posso rir, chorar, dançar e berrar, declamar um Florbela Espanca ou até Bocage, com um bom pitéu – sou feliz assim.
Deixo aqui uma nota que, mesmo para quem não é religioso, vai gostar: hoje na missa, e na altura da consagração (onde normalmente o Padre consagra as hóstias e o vinho e diz “Na hora em que voluntariamente sofreu a morte, tomou o Pão, e deu aos seus discípulos…”), sai-se com um “quando estava reunido com os seus amigos, fez uma oração pra agradecer e entregou o pão aos seus amigos”. Eu sorri, de olhos fechados, e pensei: “Vês, até ele precisa de amigos!”. Para além de ser uma excelente descontrução da forma quase barroca que costuma ser dita, é um cenário que aproxima a comunidade, e de repente ponho-me no papel dos amigos: imaginem, naquele sábado à noite, o João dizer “Malta, daqui umas horas vou não vou estar cá, por isso vamos todos agradecer pelo grupo e vou distribuir este pão por todos”. Wild. Mas, no final do dia, todos precisamos de amigos.
ps2: deixo-vos o vídeo do nosso jantar, desta vez com som, para verem a pérola. Apreciem o ambiente, apreciem a magia. E, acima de tudo, convidem os vossos amigos para jantar.
Que porreiro! Gostei muito de ler. 😉
Que legallll. Me identifiquei muito com o que disse. Sempre fui uma pessoa que teve dificuldades de fazef amigos, sofri e hj não tenho tantos. Confesso que sinto falta de ter pessoas verdadeiras ao meu lado, mas saber que outras pessoas passam por isso conforta meu 🩷. E fiquei muuito feliz que você é católica tambéém. Sou do Brasil 💌✨️